quarta-feira, 25 de abril de 2012

AUTO-RETRATO - PABLO NERUDA








Auto-retrato

De minha parte, 

sou ou creio ser de nariz grande, de olhos pequenos, com poucos cabelos na cabeça, 

de abdômen volumoso, de pernas compridas, de pés grandes, amarelo de pele, 

generoso nos amores, impossível com cálculos, confuso com as palavras, terno com as mãos, 

lento ao andar, de coração inoxidável, adorador das estrelas, marés, terremotos, 

admirador de besouros, caminhante das areias, ignorante das instituições, 

chileno perpétuo, amigo dos meus amigos, mudo com inimigos, 

intrometido entre os pássaros, mal-educado em casa, tímido nos salões, 

audaz na solidão, arrependido sem objeto, horrendo administrador, navegante de boca, 

curandeiro da tinta, discreto entre animais, afortunado nas nuvens densas, 

pesquisador de mercados, obscuro nas bibliotecas, melancólico nas cordilheiras, 

incansável nas florestas, lentíssimo nas respostas, ocorrente anos depois, 

vulgar durante todo o ano, resplandecente com meu caderno, de apetite monumental,

tigre para dormir, sossegado na alegria, inspetor do céu noturno, 

trabalhador invisível, desordenado, persistente, valente por necessidade, 

covarde sem pecado, sonolento por vocação, amável com mulheres, 

ativo por padecimento, poeta por maldição e tonto dos tontos. 

Pablo Neruda - (Chile, 1904-1973) Prêmio Nobel de Literatura em 1971.

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