Rios sem discurso
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Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase a frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
João Cabral de Melo Neto
domingo, 28 de março de 2010
sábado, 27 de março de 2010
A pequena Sereia (Inês S.) - Copenhague - Dinamarca
Tinha um castelo de areia
E um diadema de coral.
Quando imergi do oceano
Ninguém soube, ninguém viu.
O príncipe desmaiado,
Abriu os olhos ao naufrágio
Vagas, cordas e destroços.
Percorreu o vento nos meus cabelos
E a vida inundou-se de estrelas.
Troquei a luz da eternidade
Pela ilusão de uma miragem.
Mergulha só mais uma vez
Antes que a espuma te leve
Para o outro lado do mar.
Rasga os véus e os vestidos
Esse brilho, não é o sol!
É o reflexo do punhal
Que sangra o teu coração.
Inês S.
sábado, 13 de março de 2010
Leve - Fernando Pessoa
Leve
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.
terça-feira, 9 de março de 2010
FERNANDO PESSOA (Alberto Caeiro) - O Meu Olhar
Alberto Caeiro
O Meu Olhar
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
domingo, 7 de março de 2010
Antonio Carlos Dayrell - Livro - Poesia para parar o tempo.
Quando a primavera chegar,
Quero sorrir abertamente,
Como fazem as crianças.
Quero me sentir mais leve,
Como os passarinhos que levam
a todo o mundo a magia do seu canto.
Quero ser como o espelho d´água:
Nos dias de sol e de lua cheia
prateando os seus cabelos...
Quero muitas flores em toda parte
Só para lembrar de você.
quarta-feira, 3 de março de 2010
Manfredo Rosa - Livro: Nosso Portugal: Uma Viagem Memorável
Bela Vila de Constância, também é do Ribatejo
Ai se junta o rio Zêzere, com águas do rio Tejo
Quando os rios se juntam parece que estão zangados
Quando chegam 'a Barquinha, vão os dois de braços dados.
Assim se tornam amigos e não fazem arraiais,
Vão juntinhos aos beijos, da Barquinha até Cascais.
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